CISOC

CISOC - Compromisso de Impacto Social das Organizações Culturais

Processo de Construção

A formulação do Compromisso de Impacto Social das Organizações Culturais (CISOC) teve início no segundo semestre de 2021, com a constituição de uma pequena equipa no âmbito do PNA, em colaboração com a Direção-Geral do Património Cultural, formada por duas técnicas superiores a tempo parcial e uma doutoranda em políticas públicas, que contou com o apoio do Observatório Português das Atividades Culturais.
A discussão dos objetivos e pressupostos do CISOC, em diálogo com a revisão de literatura de projetos referenciais nos campos do impacto social e dos públicos, a análise de políticas públicas no plano internacional e em Portugal, o levantamento e a análise de práticas no universo abrangido pela medida e as reuniões realizadas com os comissários do PNA foram o ponto de partida do projeto.

Necessidades

O primeiro passo foi pensar o que motivou a criação desta medida de política pública e delimitar as necessidades enfrentadas pelas organizações culturais na sua relação com as pessoas, ou seja, no seu potencial impacto social. Com o objetivo de obter respostas a estas questões foi realizado um levantamento das linhas programáticas de algumas organizações culturais, a partir de planos e relatórios de atividades e informação publicada nos respetivos websites institucionais. Foi dada especial atenção à estrutura, organização e programação educativa e de mediação cultural, com o objetivo de entender como têm lidado com os públicos, a sua diversificação e expansão. Foram ainda analisados estudos, inquéritos e relatórios de diagnóstico global ou sectoriali que permitiram alargar o conhecimento sobre o universo de base e consolidar algumas perceções decorrentes dos levantamentos anteriormente mencionados.
Na sequência deste exercício, cinco necessidades foram identificadas: a) maior envolvimento das organizações culturais e a sua responsabilização na promoção da cidadania cultural, entendida como o exercício de direitos e de deveres culturais consignados na Constituição; b) mais proatividade na relação com as pessoas, no sentido do seu envolvimento, incremento e diversificação; c) consolidação da ação integrada entre as organizações culturais, as escolas e a comunidade educativa;  d) estratégias de longo prazo, baseadas em dados e indicadores; e) reforço da capacitação dos profissionais com competências de desenvolvimento e envolvimento dos públicos e de participação cultural.
Com base neste levantamento, o desenho do CISOC começou a tomar forma, na perspetiva de apresentar caminhos que ajudassem a encontrar respostas para as necessidades enunciadas.

Influências

O CISOC inscreve-se nas premissas e valores do PNA, em particular, na assunção de que as manifestações culturais constituem a mediação necessária para o reconhecimento pessoal e comunitário e para o reforço do sentido de pertença à comunidade; no entendimento da educação como um processo de aprendizagem ao longo da vida; e na noção de vivência cultural participada, aprofundada na Carta do Porto Santo (Conferência do Porto Santo, 2021).
No plano internacional, a par da bibliografia autoral que percorre o campo cultural, o CISOC tem dominantemente por base orientações e reflexões institucionais de proveniência intergovernamental, bem como de algumas agências governamentais.  Entre outros, foram particularmente inspiradores: Convenção de Faro (Conselho da Europa, 2005), Thematic Indicators for Culture in the 2030 Agenda (Unesco, 2019), Carta de Roma (Roma Capitale & UCLG – Culture Committee, 2020), Creating an Effective Audience Development Plan. An Introductory Guide to Audience Development Planning from the Audience Agency (The Audience Agency, 2020) e Baròmetre Social dels Museus (Loran, 2018). No plano dos projetos europeus, destacam-se ADESTE+ – Audience Centred Experience Design (ADESTE+, s.d) e MOI! Museums of Impact (2022)ii.
No contexto português, foram analisados e cotejados diferentes documentos e estratégias nas áreas da educação, cultura, inclusão social, valorização da diversidade, acessibilidade e participação cidadã, os quais foram basilares no processo de formulação da medida, a par de reflexões e estratégias emanadas do próprio Ministério da Culturaiii.

Compromisso

Partiu-se, então, para a idealização de como seria operacionalizado este compromisso, uma vez que não se encontrou um modelo similar utilizado noutros contextos que respondesse plenamente às necessidades identificadas. Desde logo, a particularidade de abarcar todo o tipo de organizações culturais (museus, centros de artes, monumentos, bibliotecas, arquivos, centros culturais e teatros) constituiu um aspeto distintivo a exigir uma abordagem coerente e global.
Uma segunda característica diferenciadora decorre da própria noção de compromisso entre a entidade de tutela e a organização cultural na sua dependência administrativa, o que pressupõe um modelo adaptável à diversidade de identidades jurídicas e administrativas, tanto na administração pública (central, regional e local), como no setor privado e no terceiro setor.
Num primeiro momento foi consensualizado o entendimento do CISOC como um ato de responsabilização mútua das tutelas e das organizações culturais, que reiteram a sua missão social e educativa. Foi sublinhado o seu papel como ferramenta de gestão, quer na vertente do planeamento quer da autoavaliação, favorecedora da transformação organizacional e da mudança.
Com o propósito de estruturar a resposta às necessidades identificadas e de dar corpo ao enquadramento conceptual exposto, redigiram-se os dois primeiros documentos de concretização desta medida: CISOC: O Quê, Porquê e Para Quem? e Modelo de Roteiro. Se o primeiro permite uma visão geral dos objetivos, finalidades, destinatários, influências e formas de adesão, o segundo constitui o cerne da arquitetura do CISOC, contendo os seus princípios orientadores e indicações práticas e metodológicas para a implementação do compromisso.
Em julho de 2022, enquanto ambos os documentos eram concluídos pela equipa técnica, era já claro que a formulação do CISOC implicaria a disponibilização de um KIT que incluísse todas os instrumentos indispensáveis para a sua implementação. Em consonância com esta perspetiva, ia sendo definido na mesma janela temporal um conjunto de objetivos, impactos e indicadores que pudessem servir de base à seleção a realizar por cada organização cultural, de acordo com o seu autodiagnóstico, levantamento de necessidades, objetivos e impactos.

Auscultação

Num processo colaborativo, inscrito no ADN do PNA, o primeiro momento de auscultação ocorreu entre julho e outubro de 2022. As primeiras versões dos dois documentos mencionados foram revistas e discutidas com mais de uma vintena de profissionais da cultura e da educação, dirigentes, especialistas, mediadores, professores e líderes associativos e de projetos comunitários. Foram identificadas imprecisões, ambiguidades, lacunas e, com base nas sugestões recebidas, clarificou-se a terminologia, introduziu-se, reforçou-se e aprofundou-se alguns tópicos, bem como se reestruturou algumas secções.
À medida que este trabalho prosseguia, os indicadores, entretanto produzidos, foram testados em organizações culturais de diferentes dimensões, tutelas e localizações geográficas, num périplo presencial que levou a equipa a 34 organizações culturais, de agosto de 2022 a março de 2023. Estas organizações, localizadas em Lisboa, Porto, Caldas da Rainha, Évora, Portimão e Loulé, distribuem-se pela administração central e local, setor empresarial do Estado, e fundações e, tipologicamente, incluem museus, teatros, bibliotecas, arquivos, centros de artes e centros culturais. Neste período realizaram-se igualmente reuniões com dirigentes e técnicos da Direção-Geral do Património Cultural, da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, da Direção-Geral das Artes, da Biblioteca Nacional e do OPART (Organismo de Produção Artística, E.P.E.).
As reuniões, as trocas de ideias e a testagem dos indicadores demonstraram interesse, curiosidade e apetência por este novo instrumento de gestão, embora com matizes de organização para organização. Nuns casos, foi valorizado o exercício de autorreflexão, que fez emergir atividades pontuais já realizadas. Noutros, tornou-se evidente a heterogeneidade das condições de recolha e de organização de informação, a escassa análise de parte significativa dos dados recolhidos, agravada por uma assinalável iliteracia estatística e falta de hábitos de monitorização e de autoavaliação. De um modo geral, confirmou-se a aplicabilidade da maioria dos indicadores propostos, não obstante a revisão, adaptação, eliminação pontual e sistematização, efetuadas na sequência destas sessões.
De forma generalizada, nas sessões de trabalho foram também percetíveis os benefícios da relação intersectorial na área da cultura, contaminando as organizações culturais com práticas e metodologias provenientes de diferentes campos, seja das instituições de criação e produção artística, seja dos museus, bibliotecas e arquivos.

Estrutura

A experiência de trabalho no terreno fortaleceu a convicção de incluir no KIT CISOC um conjunto de instrumentos de apoio que facilitassem a implementação do compromisso nas organizações culturais portuguesas. Com este propósito, a par das adaptações, incorporações e revisões dos documentos que constituem as bases fundacionais e metodológicas, foram tomando forma alguns módulos de apoio.

Assim, esta publicação estrutura-se em duas partes, que correspondem à organização do KIT: 1. Fundamentos e Metodologia; 2. Instrumentos de Apoio. Funcionando como um todo, em que as suas componentes interagem e se complementam, o KIT CISOC permite uma abordagem e uma exploração individualizadas, decorrentes das características de cada organização e da aplicação da metodologia proposta.

1. Fundamentos e Metodologia

Compreende os documentos-chave que enquadram, apresentam a metodologia e desenvolvem o sistema de objetivos, impactos e indicadores, em que se alicerça o Compromisso de Impacto Social das Organizações Culturais.

CISOC: O Quê, Porquê e Para Quem?

Introduz o Compromisso de Impacto Social das Organizações Culturais: razões, destinatários, finalidades, objetivos e formas de adesão. Enumera os elementos que compõem o KIT CISOC, expõe o enquadramento conceptual institucional e lista a bibliografia referencial.

Modelo de Roteiro

Concebido como um guião global do Compromisso de Impacto Social das Organizações Culturais, apresenta os princípios orientadores, os pressupostos, o objeto e as finalidades. Numa segunda parte, de carácter prático, orienta as organizações culturais para o autodiagnóstico na relação com os públicos, através de um leque de perguntas, e introduz a metodologia, assente na seleção de objetivos, impactos e indicadores. O Roteiro estabelece um quadro de corresponsabilização entre entidades de tutela e organizações culturais, mediante uma lista exemplificativa de responsabilidades para cada um dos objetivos estratégicos, e identifica meios, recursos e duração. O Roteiro é o documento referencial que contempla as dimensões previstas no CISOC, a partir do qual cada organização elaborará o seu próprio Compromisso de Impacto Social.

Mapa de Objetivos e Impactos

Organograma de objetivos estratégicos, objetivos operacionais e impactos, que permite uma visão panorâmica da arquitetura do CISOC.

Objetivos, Impactos e Indicadores

Com base na matriz de objetivos estratégicos, objetivos operacionais e impactos, apresenta-se um menu de 110 indicadores, dos quais 94 de natureza quantitativa e 16 indicadores qualitativos. Trata-se de um referencial extensivo, cuja finalidade é fornecer um instrumento testado e validado, sugerindo-se que cada organização escolha de 16 a 24 indicadores.

2. Instrumentos de Apoio

A implementação do CISOC é facilitada por ferramentas práticas e complementares que reforçam a vertente operacional.

Guia de Operacionalização: Como Ativar o CISOC

Fornece uma visão global do processo de implementação, sistematizando as diversas etapas, ações e documentos que o suportam.

Perguntas Frequentes

Conjunto de respostas a questões que, de forma imediata, esclarecem as principais dúvidas relativas a processos, procedimentos e protagonistas na implementação do CISOC.

Caderno de Fichas de Apoio aos Indicadores

O Caderno tem por finalidade ajudar as organizações culturais na compreensão das informações a recolher e agilizar o manuseio dos diferentes indicadores, através de fichas (uma por cada indicador), com campos padronizados. Cada ficha descreve o respetivo indicador e esclarece designadamente a fonte dos dados, os conceitos no glossário, o método de cálculo e o período de referência, dando pistas e exemplos que apoiam a recolha dos dados.

Aplicação Informática de Apuramento dos Indicadores

Com o objetivo de apoiar a recolha de informação qualitativa e de dados quantitativos num único suporte, disponibiliza-se uma ferramenta informática em formato Excel. O resultado dos indicadores é calculado automaticamente através das fórmulas associadas.

Glossário

Contém os termos-chave para apoiar a operacionalização do CISOC, integrando as principais noções que caracterizam o seu enquadramento conceptual, bem como um conjunto de termos estatísticos úteis para o preenchimento dos indicadores.

Sugestões de Leitura e Recursos

Em CISOC: O Quê, Porquê e Para Quem?, é identificada a bibliografia essencial e as fichas de apoio aos indicadores contêm também algumas propostas bibliográficas. Ainda assim, sistematizaram-se neste módulo algumas sugestões de leituras gerais e de recursos na internet que permitem explorar e aprofundar alguns dos aspetos contemplados no KIT.

Minutas Jurídicas de Formalização da Adesão ao CISOC

A formalização do Compromisso exige documentação jurídica de apoio, cujas minutas possam ser usadas por organizações culturais e entidades de tutela, qualquer que seja o seu modelo de gestão e o seu estatuto jurídico.

Carta de Princípios

Documento jurídico, cujo conteúdo corresponde ao Roteiro do Compromisso, de forma que possa servir de base à adesão formal aos princípios, quadro conceptual e metodologia do CISOC, por parte das entidades de tutela (nos casos em que as organizações culturais não têm autonomia administrativa) ou das próprias organizações culturais (quando dotadas do estatuto de autonomia administrativa). Prevê-se que posteriormente cada organização cultural aplique a metodologia do CISOC e elabore o Projeto de Desenvolvimento da Carta de Princípios, correspondente ao Compromisso de Impacto Social.

Protocolo de Adesão

Documento jurídico, sob a forma de protocolo, concebido em duas variantes, consoante o estatuto jurídico das organizações culturais.

Carta de Princípios

Documento jurídico, mediante o qual a entidade de tutela aprova o Projeto de Desenvolvimento da Carta de Princípios do Compromisso de Impacto Social das Organizações Culturais.

Expectativas

Como se referiu introdutoriamente, a formulação do CISOC teve origem num leque de problemas detetados nas organizações culturais. Com este compromisso, que junta entidades de tutela e organizações culturais em torno das suas missões sociais e educativas, disponibiliza-se uma ferramenta de aplicação multiorganizacional, que impele as organizações a sair da sua zona de conforto e a serem contaminadas pelas práticas de outras entidades que enfrentam problemas comuns, sejam bibliotecas, museus, teatros, arquivos ou centros culturais, sem prejuízo da adaptação a cada caso.
O sucesso da utilização do CISOC está dependente de muitos fatores. Entre estes, avulta o subfinanciamento crónico de parte considerável das organizações culturais e a escassez, o envelhecimento e a desatualização dos seus recursos humanos que entravam a inovação necessária para que as instituições estejam aptas a antecipar as respostas aos desafios presentes, condição indispensável para a sua sustentabilidade. Por outro lado, os sistemas de gestão, planeamento e avaliação necessitam de dados válidos que mapeiem adequadamente a realidade.
Em Portugal, não tem sido comum a disponibilização por parte do Estado de modelos e de ferramentas de gestão na área da cultura. É neste vazio que se inscreve o CISOC, um contributo para uma gestão mais atenta e eficaz das organizações culturais na vertente da relação com os públicos e para o reforço do seu impacto social. Enquanto medida de política pública, o CISOC, proposto pela estrutura de missão PNA,  é um coadjuvante direto dos desafios estratégicos  presentes e futuros, no que concerne à cultura como veículo primordial para a valorização individual e coletiva, a transformação social, a coesão territorial e o combate às desigualdades. Tem-se a convicção de que o CISOC tem potencial para se transformar num objetivo estratégico da cultura, que se repercuta nas prioridades estratégicas no universo da administração do Estado.
Por outro lado, ao disponibilizar esta ferramenta que se destina a um largo espectro de entidades para além da esfera estatal, a expetativa é que a adesão ao CISOC se inicie voluntariamente nas organizações culturais. Espera-se que estas se apropriem de um instrumento que pretende ajudá-las a liderar e a controlar o seu próprio impacto, a partir da sua capacidade interna, tempo e compromisso, reforçando a sua sustentabilidade. O nível de adesão será, pois, o primeiro indicador da pertinência desta medida que se crê corresponder a um instrumento completo e ágil, sem equivalente no setor cultural.
Finalmente, o CISOC foi concebido em conjunto com outras medidas do eixo da política cultural do PNA, cujo puzzle de abordagem sistémica se completa e articula com as medidas que se dirigem às organizações que extravasam a esfera da cultura, mas que podem também ser agentes ativos neste domínio. É o caso do Plano Estratégico Municipal Cultura-Educação (lançados em 2023), do Índice de Impacto Cultural das Organizações e do Compromisso Cultural das Organizações Empresariais. Conforme as referidas medidas forem sendo desenvolvidas e implementadas, espera-se que a interação dos impactos que produzirão virá a constituir um contributo acrescido para o seu reforço mútuo.

i Entre estes, tiveram particular destaque: Pais, J. M., Magalhães, P. & Antunes, M. L. (Eds.). (2022). Práticas Culturais dos Portugueses. Instituto de Ciências Sociais da UL; Camacho, C. F. et al. (2021). Grupo de Projeto Museus no Futuro – Relatório Final. Disponível em: http://patrimoniocultural.gov.pt/static/data/docs/2021/02/15/RelatorioMuseusnoFuturo.pdf

ii  Em CISOC – o quê, porquê e para quem, apresenta-se um enquadramento bibliográfico mais extenso das influências e do contexto institucional que estiveram a montante da formulação desta medida.

iii  Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (2017), Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (2016), Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, Estratégia Nacional para os Direitos da Criança (2021-2024), Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência (2021-2025), Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (2013-2022), Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação (2021-2025), Estratégia Nacional para Igualdade e a Não Discriminação – Portugal + igual (2018-2030) e Estratégia Nacional de Combate à Pobreza (2021-2030). No Ministério da Cultura assinala-se a Estratégia de Promoção da Acessibilidade e da Inclusão nos Museus, Monumentos e Palácios na dependência da DGPC e das Direções Regionais de Cultura 2021-2025, em parceria com o Instituto Nacional de Reabilitação.