CISOC

CISOC - Compromisso de Impacto Social das Organizações Culturais

Uma Ferramenta para Extitucionalizar

As instituições culturais não são neutras. Pela sua missão, por intervirem no espaço público, no modo como se relacionam com as comunidades, nas decisões que tomam, como e o que programam, na forma como trabalham a produção, a mediação e o acesso… Estas escolhas são políticas e nunca neutras, ainda que possam ser irrefletidas. Como podem as organizações culturais servir a vida e serem relevantes?
Como resistem a se transformarem em instrumentos de opressão de uma classe ou grupo sobre outros? Como não cristalizam noções de identidade e de história, reproduzem preconceitos e exclusão? Como podem tratar as pessoas, na sua pluralidade e diversidade, como colaboradores e não meros consumidores? Como ajudam a emancipar os cidadãos e a que participem mais ativamente na vida coletiva? Como promovem a saúde da democracia? Como se assumem como espaços e tempos educativos?

Este Compromisso de Impacto Social das Organizações Culturais é uma ferramenta (teórica e prática) para ajudar as tutelas e as equipas de museus, teatros, bibliotecas, arquivos, centros culturais e outras organizações a se tornarem cada vez mais relevantes para as comunidades que servem, promovendo uma cidadania cultural mais responsável e efetiva. Este instrumento permitirá autoavaliar o trabalho realizado pelas instituições e implementar estratégias que reforcem a consciência e os resultados da sua missão educativa e o impacto social. É um dispositivo, um conjunto de documentos que ajudam a esclarecer paradigmas e conceitos, identificar prioridades, definir estratégias, metas e critérios de avaliação, e estruturar as instituições culturais como inclusivas e verdadeiros territórios educativos (ao longo da vida) – do mesmo modo que podem ajudar a desenvolver as escolas e as instituições de ensino superior como polos culturais, permitindo aos cidadãos experimentar de forma mais significativa e intensa como os patrimónios e as artes podem ser fatores de inclusão, coesão e de pertença, determinantes na sua formação integral. Neste sentido, é necessário que estas organizações trabalhem para promover uma autêntica democracia cultural: baseada no pluralismo, na partilha do poder, no reconhecimento da multiplicidade de vozes e na valorização das diferentes culturas. Deixar de fazer para e passar a fazer com. Como propõe a Carta do Porto Santo, é urgente transformar as ins-tituições culturais em ex-tituições.
Ao desenharmos a estratégia do Plano Nacional das Artes, em 2019, ficou claro que, para aproximarmos mais manifestações culturais, patrimoniais e artísticas das comunidades educativas, não nos podíamos dirigir apenas às escolas, mas teríamos de propor e implementar medidas com os diferentes sectores sociais, com «toda a aldeia». Este princípio sistémico, conduziu-nos a propor às organizações culturais a realização de um contrato – agora, Compromisso – a estabelecer entre as tutelas e as equipas das instituições, para aprofundar o seu impacto social e educativo, com metas e recursos bem definidos. Agradecemos a Clara Frayão Camacho e à equipa que liderou – Maria Amélia Fernandes e Flora Maravalhas – com o apoio de José Soares Neves, Diretor do Observatório Português das Atividades Culturais, o privilégio de trabalharmos juntos no desenvolvimento desta medida: por terem abraçado com paixão este desafio e por toda a sua dedicação e empenho, que ficam claros na qualidade, profundidade e rigor destes documentos. A nossa gratidão também se estende a todas as pessoas e muitas instituições que o ajudaram a testar e melhorar. Este Compromisso é, já na sua construção, a manifestação e apresentação de um estilo. Mais do que um conteúdo ou uma doutrina, é a reivindicação de um modo próprio das instituições existirem e de se relacionarem com os outros, de habitar o mundo: a confiança na inteligência coletiva da comunidade, a promoção da responsabilização, a partilhar do poder, o pedir a colaboração e trabalhar em parceria, o assumir a fragilidade e não se comprazer na autossuficiência, a valorização da diferença e da dissensão, sair de si e não temer o conflito, o alimentar o desejo. É apenas um instrumento de apoio à gestão, que necessita, agora, da vontade pessoal e institucional para o implementar. Estamos convictos de que, com ele, as organizações culturais poderão ajudar a indestinar a vida de muitos mais cidadãos: contrariar destinos traçados pelas condicionantes económicas e sociais do nascimento ou do seu presente. É preciso que as instituições culturais ajudem a dilatar o mundo, o horizonte de possibilidades, permitindo a cada um a descoberta de possibilidades de si antes desconhecidas.

Paulo Pires do Vale

Comissário do Plano Nacional das Artes