Uma Ferramenta para Extitucionalizar
As instituições culturais não são neutras. Pela sua missão, por intervirem no espaço público, no modo como se relacionam com as comunidades, nas decisões que tomam, como e o que programam, na forma como trabalham a produção, a mediação e o acesso… Estas escolhas são políticas e nunca neutras, ainda que possam ser irrefletidas. Como podem as organizações culturais servir a vida e serem relevantes?
Como resistem a se transformarem em instrumentos de opressão de uma classe ou grupo sobre outros? Como não cristalizam noções de identidade e de história, reproduzem preconceitos e exclusão? Como podem tratar as pessoas, na sua pluralidade e diversidade, como colaboradores e não meros consumidores? Como ajudam a emancipar os cidadãos e a que participem mais ativamente na vida coletiva? Como promovem a saúde da democracia? Como se assumem como espaços e tempos educativos?
Ao desenharmos a estratégia do Plano Nacional das Artes, em 2019, ficou claro que, para aproximarmos mais manifestações culturais, patrimoniais e artísticas das comunidades educativas, não nos podíamos dirigir apenas às escolas, mas teríamos de propor e implementar medidas com os diferentes sectores sociais, com «toda a aldeia». Este princípio sistémico, conduziu-nos a propor às organizações culturais a realização de um contrato – agora, Compromisso – a estabelecer entre as tutelas e as equipas das instituições, para aprofundar o seu impacto social e educativo, com metas e recursos bem definidos. Agradecemos a Clara Frayão Camacho e à equipa que liderou – Maria Amélia Fernandes e Flora Maravalhas – com o apoio de José Soares Neves, Diretor do Observatório Português das Atividades Culturais, o privilégio de trabalharmos juntos no desenvolvimento desta medida: por terem abraçado com paixão este desafio e por toda a sua dedicação e empenho, que ficam claros na qualidade, profundidade e rigor destes documentos. A nossa gratidão também se estende a todas as pessoas e muitas instituições que o ajudaram a testar e melhorar. Este Compromisso é, já na sua construção, a manifestação e apresentação de um estilo. Mais do que um conteúdo ou uma doutrina, é a reivindicação de um modo próprio das instituições existirem e de se relacionarem com os outros, de habitar o mundo: a confiança na inteligência coletiva da comunidade, a promoção da responsabilização, a partilhar do poder, o pedir a colaboração e trabalhar em parceria, o assumir a fragilidade e não se comprazer na autossuficiência, a valorização da diferença e da dissensão, sair de si e não temer o conflito, o alimentar o desejo. É apenas um instrumento de apoio à gestão, que necessita, agora, da vontade pessoal e institucional para o implementar. Estamos convictos de que, com ele, as organizações culturais poderão ajudar a indestinar a vida de muitos mais cidadãos: contrariar destinos traçados pelas condicionantes económicas e sociais do nascimento ou do seu presente. É preciso que as instituições culturais ajudem a dilatar o mundo, o horizonte de possibilidades, permitindo a cada um a descoberta de possibilidades de si antes desconhecidas.
Paulo Pires do Vale
Comissário do Plano Nacional das Artes